A nova temporada de Black Mirror nos convida mais uma vez a observar o reflexo distorcido — mas cada vez mais nítido — da nossa relação com a tecnologia. E dessa vez, a série parece mais contida no número de episódios, mas bem mais incisiva na proposta: olhar para o impacto emocional, psicológico e existencial da Inteligência Artificial na nossa vida.
Diferente de temporadas anteriores que exploravam redes sociais, vigilância digital e realidade aumentada com mais intensidade visual, aqui Black Mirror aposta num caminho mais introspectivo — quase filosófico — onde o espanto vem não da tecnologia em si, mas da forma como ela entra nas nossas carências emocionais.
Diferente de temporadas anteriores que exploravam redes sociais, vigilância digital e realidade aumentada com mais intensidade visual, aqui Black Mirror aposta num caminho mais introspectivo — quase filosófico — onde o espanto vem não da tecnologia em si, mas da forma como ela entra nas nossas carências emocionais.
Episódio 1 – "Common People" que nada. Agora é o luto que é digital.
O episódio de abertura traz Amanda (Rashida Jones), uma professora com uma condição médica grave, e seu marido Mike (Chris O’Dowd), que recorre a uma empresa de neurociência chamada Rivermind para salvá-la com ajuda de uma IA que simula sua presença e consciência.
A premissa parece simples: recriar digitalmente uma pessoa amada. Mas logo o episódio nos joga num abismo emocional — o que acontece quando a simulação começa a substituir a lembrança real? E mais: quando o apego ao "simulacro" impede o luto real?
Aqui, a série toca num ponto que já é real: projetos como o da Microsoft para “chatbots de mortos” e apps como Replika mostram que esse futuro já chegou. E o episódio nos faz encarar a pergunta que mais assombra: será que a dor da perda ainda tem espaço num mundo onde a ausência pode ser digitalmente preenchida?
A premissa parece simples: recriar digitalmente uma pessoa amada. Mas logo o episódio nos joga num abismo emocional — o que acontece quando a simulação começa a substituir a lembrança real? E mais: quando o apego ao "simulacro" impede o luto real?
Aqui, a série toca num ponto que já é real: projetos como o da Microsoft para “chatbots de mortos” e apps como Replika mostram que esse futuro já chegou. E o episódio nos faz encarar a pergunta que mais assombra: será que a dor da perda ainda tem espaço num mundo onde a ausência pode ser digitalmente preenchida?
Episódio 3 – "Hotel Reverie": o amor na era do algoritmo
Nesse episódio, Brandy (Issa Rae), uma atriz solitária, encontra conforto emocional em Clara (Emma Corrin), uma versão IA de uma estrela do passado. Criada por uma tecnologia chamada Re-Dream, essa "simulação cinematográfica" permite uma espécie de relacionamento com um fantasma digital.
O que começa como curiosidade vira paixão — mas é uma paixão sem retorno. Uma ilusão programada para parecer real. O que remete diretamente a Her (2013), mas aqui o romantismo cede lugar ao desconforto: não existe reciprocidade. Só o desejo de sentir algo.
A crítica é pontual: estamos tão acostumados à gratificação instantânea, ao algoritmo que nos entende, que nos esqueçamos da complexidade de lidar com o outro real. Com suas falhas, conflitos e silêncios. A IA oferece a versão ideal — mas vazia — de um relacionamento.
O que começa como curiosidade vira paixão — mas é uma paixão sem retorno. Uma ilusão programada para parecer real. O que remete diretamente a Her (2013), mas aqui o romantismo cede lugar ao desconforto: não existe reciprocidade. Só o desejo de sentir algo.
A crítica é pontual: estamos tão acostumados à gratificação instantânea, ao algoritmo que nos entende, que nos esqueçamos da complexidade de lidar com o outro real. Com suas falhas, conflitos e silêncios. A IA oferece a versão ideal — mas vazia — de um relacionamento.
Episódio 5 – "Eulogy": a nostalgia como cárcere emocional
Em Eulogy, um homem solitário revive momentos com sua ex-namorada por meio de uma simulação de IA. A princípio, parece um caminho para o encerramento emocional. Mas logo se revela um ciclo vicioso.
A simulação não cura. Ela congela o tempo. E o que era pra ser uma despedida se transforma numa prisão emocional alimentada artificialmente.
O episódio conversa diretamente com nossa compulsão por reviver tudo: stories antigos, arquivos, áudios, mensagens. Mas aqui, com IA, o passado não apenas volta — ele interage. Ele fala com você. Te entende. E não deixa você ir embora.
O perigo? A linha entre nostalgia e negação vira um borrão.
E talvez o ponto mais doloroso: muitas vezes, como mostra o episódio, criamos uma narrativa sobre nós mesmos onde somos os heróis — vítimas da situação, incompreendidos, os que só amaram demais. Mas nem sempre é assim. Às vezes, somos os vilões da nossa própria história. Foram as nossas escolhas que estragaram tudo. E é isso que Eulogy escancara: a dor não está só na perda do outro. Está em encarar quem a gente foi de verdade — sem simulação, sem roteiro que nos favoreça. Só o espelho. Só a verdade.
A tecnologia como espelho da carência
Essa temporada traz menos distopias tecnológicas clássicas e mais tramas afetivas, profundamente humanas, onde a IA não é uma vilã — mas um espelho. Um reflexo do que estamos dispostos a projetar nela.
Black Mirror não precisa mais te mostrar um mundo devastado pela tecnologia. Agora ela apenas sussurra:
“Olha ao redor. Já começou.”
E não é exagero. Estamos num ponto onde:
- - Softwares de IA já criam vozes e rostos de entes queridos falecidos;
- - Pessoas desenvolvem laços emocionais com avatares e bots de conversa;
- - Há plataformas que permitem moldar um parceiro ideal sob demanda — com gostos, trejeitos e falas do seu jeito;
- - E experiências clínicas já investigam o uso de IA no tratamento de ansiedade, solidão e luto.
O que a série nos pergunta, então, não é se a tecnologia vai dominar o mundo.
É: O que resta de humano quando as nossas emoções são terceirizadas pra um código?
Entre o real e o irreal… estamos nós.
No fim, essa temporada é mais íntima. E mesmo quando projeta o futuro, fala do agora — do quanto já entregamos da nossa sensibilidade à conveniência digital. E do quanto essa linha entre real e simulado já não está mais na tela. Ela tá dentro da gente.
E como sempre, Black Mirror reforça:
O problema nunca foi a tecnologia. O problema é o que a gente faz com ela.
Marcio Oliveira 4
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