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“Elvis”, o Rei do Rock continua vivo!


De cara, na abertura do filme vem todo aquele brilho que sempre foi uma característica marcante de Elvis Aaron Presley. AÍ me veio à memória o filme Feitiço Havaiano. Na sequência me lembrei de sua morte em 1977. Eu tinha 11 anos, mas ainda lembro de como foi impactante. Ele tinha apenas 42 anos, mas já parecia pertencer a um mundo muito mais antigo. Passaram-se 45 anos desde então, mas sua presença continua viva, haja vista a enorme quantidade de imitadores espalhados pelos Estados Unidos e o mundo.

“Elvis” de Baz Luhrmann é uma cinebiografia que age no sentido de dissipar essa melancolia que sempre cercou o nome Elvis Presley. Luhrmann, que é bastante conhecido pelos filmes Moulin Rouge, Australia, Romeo e Julieta e O Grande Gatsby, quer chocar trazendo Elvis de volta à vida, imaginando quem ele era em seu próprio tempo e o que ele pode significar no nosso. Sua interpretação é de um conto essencialmente americano de raça, sexo, religião e dinheiro, sem saber se quer ser uma fábula pop luxuosa ou um melodrama trágico.  Meu ver acaba sendo os dois.

A trilha sonora agita aquela chamada lista de reprodução que já era esperada, mas com toques de hip-hop, techno e alguns mashups com alguns de seus sucessos. A mensagem sonora – e o argumento mais forte do filme para a relevância de seu tema – é que a mistura de blues, gospel, pop e country de Presley continua a mudar e polinizar no presente musical. Ainda há muita agitação acontecendo.

A trama central lança Elvis (Austin Butler) como vítima de um poderoso e desonesto demônio sugador de sangue, que seria o maléfico Coronel Tom Parker, que fornece narração e é interpretado brilhantemente por Tom Hanks com envelhecido e modificado pela já esperada prótese do tipo Missão Impossível e um sotaque bizarro. Parker foi o empresário de Presley durante a maior parte de sua carreira, e Hanks o retrata como um pequeno trapaceiro ilusionista com fome de grandeza.

“Eu não matei Elvis”, diz Parker, embora o filme indique o contrário. “Eu fiz Elvis.” Na mente do Coronel, eles eram “o showman e o snowman”, parceiros iguais em um longo golpe extremamente lucrativo. E em uma cena que está inclusive no trailer, Elvis desmaia de exaustão antes do show, mas Parker o quer de pé vivo ou morto no palco para não perder dinheiro.

O último longa-metragem de Luhrmann foi uma exuberante e colorida adaptação de “O Grande Gatsby”, e o Coronel é, de certa forma, um personagem bem ao estilo Gatsby. Ele é um homem do tipo interesseiro que vê em Elvis não um artista, mas uma mina de ouro. O fato histórico inegável é que o Coronel nem mesmo existe e seu nome verdadeiro nunca foi Tom Parker. É alguém de lugar nenhum, sem cidadania nem documentos. O mistério de suas origens é invocado com efeitos sinistros, mas não totalmente resolvido. Se dermos muita atenção a ele, ele pode assumir o filme, algo que quase acontece de qualquer maneira.

Luhrmann parece mais interessado no vendedor ambulante do que no artista. Té pensei: o nome do filme deveria ser ‘’Coronel’’ ou ‘’Almirante’’ como Elvis gostava de chama-lo. Mas Luhrmann é mesmo o tipo de vendedor ambulante que entende o poder da arte e é artista o suficiente para fazer uso desse poder.

Como biografia de Presley, “Elvis” não é especialmente esclarecedor. O material básico está todo lá, como estaria no Wikipedia. Elvis é assombrado pela morte de seu irmão gêmeo, Jesse (nem eu sabia), e dedicado à sua mãe, Gladys (Helen Thomson). As relações com seu pai, Vernon (Richard Roxburgh), são mais complicadas. O menino cresce pobre em Tupelo, Mississippi e Memphis, encontra seu caminho para o estúdio de gravação da Sun Records aos 19 anos e começa a incendiar o mundo. Depois, há o alistamento forçado no Exército, mas não se vê Elvis na guerra. Há também o casamento com Priscilla (Olivia DeJonge), Hollywood, um retorno transmitido em 1968, uma longa residência em Las Vegas, o divórcio de Priscilla e o espetáculo triste, dopado por remédios de seus últimos anos.

Butler está bem nos poucos momentos de drama fora do palco que o roteiro permite, mas a maior parte da ação emocional é telegrafada no habitual estilo enfático e sem fôlego de Luhrmann. O ator parece mais plenamente Elvis – e a gente pensa, e o filme sugere, era realmente ele mesmo – na frente de uma plateia. Esses quadris não mentem, e Butler captura todos os ‘’trejeitos’’ de Elvis, o artista, bem como a brincadeira e a vulnerabilidade que levaram as multidões à loucura. A voz não pode ser imitada, e o filme sabiamente não tenta, remixando gravações reais de Elvis em vez de tentar replicá-las.

Em sua primeira grande apresentação, em um salão de dança em Texarkana, Arkansas, onde divide um show com Hank Snow (David Wenham, o Homem Areia de Homem Aranha), o filho de Snow, Jimmie (Kodi Smit-McPhee), e outros artistas country, Elvis sai em um terno rosa brilhante, maquiagem pesada nos olhos e topete brilhante. Um cara na plateia grita um insulto pra que ele fosse cortar os cabelos, mas depois que ele começa a cantar e rebolar, todas as mulheres na sala aos poucos começam a gritar e se tremer em êxtase completo, “tendo sentimentos e sensações que elas não tem certeza se deve gostar”, como o Coronel coloca em sua narração. Gladys, sua mãe, está apavorada, e a cena carrega uma pesada carga de perigo com sexualidade. Elvis é um Orfeu moderno, e essas donzelas juramentadas estão prestes a despedaçá-lo. Em outra cena, em Memphis, Elvis assiste Little Richard (Alton Mason) rasgando “Tutti Frutti” (uma música que ele faria cover) e vê uma alma gêmea.

A anarquia sexual e a inconformidade de gênero do rock 'n' roll inicial está muito latente na estética de Luhrmann, mas suas complicações raciais nem tanto. “Elvis” coloca seu herói na presença de músicos negros, incluindo Sister Rosetta Tharpe (Yola), Big Mama Thornton (Shonka Dukureh) e B.B. King (Kelvin Harrison Jr.), que lhe dá muitos conselhos sobre sua carreira. Também achei interessantes algumas cenas de Elvis quando criança (Chaydon Jay) espiando um casal dançando sensualmente ao som da guitarra de Arthur Crudup (Gary Clark Jr.) e logo em seguida em uma tenda gospel onde se entrega ao êxtase coletivo da música e dança de Afro-americanos.

Não há dúvida de que Elvis, como muitos sulistas brancos de sua classe e geração, adorava blues e gospel. (Ele também adorava country e western, um gênero que o filme quase sempre descarta.) Ele também lucrava com o trabalho de músicos negros e com o apartheid da indústria, e um filme que não vai lidar com a dialética do amor e do roubo que está no centro das atenções, mas não se pode esperar que toda a história seja contada

Um fato verídico, mas estranho, é o inimigo de Elvis: o senador segregacionista do Mississippi James Eastland, cuja ferocidade contra o sexo, a mistura de raças e o rock 'n' roll são nos faz ter vontade de entrar no filme e dar una tapas nesse puritano de goela. Mais tarde, Elvis é devastado pelos assassinatos do Dr. Martin Luther King Jr. (que foi morto “a apenas três milhas de Graceland”, disse Elvis) e Bob Kennedy. Esses momentos, que tentam conectar Elvis com a política de sua época, são realmente episódios em seu relacionamento com o Coronel Parker, que quer manter sua “galinha dos ovos de ouro” longe de controvérsias.

Elvis continua sendo uma cifra, um símbolo, mais mito do que carne e osso. Suas relações com Vernon, Priscilla e a comitiva conhecida como “a máfia de Memphis” recebem tratamento superficial, assim como seu apetite por comida, sexo, drogas e Rock’n Roll.

Quem era ele? O filme não oferece muitas respostas. Mas os espectadores mais jovens, cuja experiência em primeira mão com o Rei é infinitamente menor do que a minha, podem sair de “Elvis” com pelo menos uma noção de por que deveriam se importar. No final das contas, isso não é um filme biográfico ou de terror ou uma parábola de advertência: é um musical e a música é ótima, como foram Bohemian Rhapsody e Rocketman. Remixado, sim, e cheio de sons que os saudosos podem achar estranho. Mas nunca houve nada puro em Elvis Presley, exceto talvez sua voz, e ouvi-la em toda a sua glória dolorida e arrogante, você parra a entender como isso desencadeou um verdadeiro terremoto no mundo da música

Como muitas pessoas que escrevem sobre a cultura popular americana – ou que apenas cresceram na segunda metade do século 20 – passei muito tempo pensando em Elvis. “Elvis”, com todas as suas falhas e compromissos, me fez querer ouvi-lo, como se fosse a primeira vez. “Elvis” faz algo que não víamos desde 1977: faz o Rei se sentir vivo novamente. Se vale à pena ver? Vale sim, e muito! James Drury 4



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