O programa mais comentado atualmente e que começou a ser transmitido em 17 de setembro, é uma série coreana produzida pela Netflix com um nome original bem estranho: Squid Game ou Jogo da Lula. No Brasil e em outros países ficou como Round 6, que tem como pano de fundo um grupo de 456 pessoas desesperadamente endividadas na Coreia do Sul. Round 6 é o primeiro drama coreano a atingir o primeiro lugar no Netflix, e alcançou essa marca em apenas quatro dias após seu lançamento. É sangrento e violento, mas também altamente viciante. Eu, por exemplo, finalizei a primeira temporada em uma noite, e olha que nem gosto muito de maratonar.
O chefão da Netflix, Ted Sarandos, já afirmou que Round 6 está a caminho de se tornar a série mais assistida da Netflix, pois já dominou as paradas de sucesso, paradas de ônibus e paradas cardíacas em todo o mundo, servindo como prova positiva da estratégia global do streamer.
Round 6, foi criado por Hwang Dong-hyuk, e como já disse, mostra uma competição com cerca de 456 participantes, e esse é o número do Artista, que precisam sobreviver a um desafio brutal de eventos fatais. Esses estágios são baseados em brincadeiras infantis, mas com a trágica ironia do quão brutal elas se tornam: mais da metade dos competidores são “eliminados” (no sentido literal da palavra), logo na primeira chibatada, naquele joguinho inocente da bonequinha gigante que já até virou meme nas redes sociais em que aqueles que se movem enquanto ela diz: Batatinha Frita 1, 2, 3. Aliás, fiz uma pesquisa e descobri que não é nada disso o que ela fala. Suas palavras são “무궁화 꽃이 피었습니다” (mugunghwa kkochi piotsseumnida), entenderam? A tradução disso é “A Rosa de Saron desabrochou” ou “A Flor de Hibisco desabrochou”. Em alguns países esse jogo se chama Red Light, Green Light ou Luz Vermelha, Luz Verde. Nesse jogo logo eles descobrem uma face bem sombria desse torneio mortal de jogos aparentemente infantis e acabam roendo a corda, mas alguns azilados acabam voltando, percebendo que os jogos podem ser sua única chance de ganhar a grana que precisam pra sobreviver, mas o problema é que as chances de sobrevivência não são lá muito boas. E tem muita grana envolvida nessa parada - 45 bilhões de Won Sul-coreanos, isso dá uns US$ 38 milhões de dólares ou R$210 milhões de reais. Se você teve dúvidas de quanto dava esse prêmio em Reais, taí a resposta.
Vou dar logo um spoilerzinho aqui: se você não gosta muito de filme sangrento, melhor assistir outra série, tipo When Calls The Heart, porque Round 6 não tá nem aí se precisar mostrar um cérebro ou algumas vísceras. A morte vem através de funcionários mascarados, sobre os quais sabemos muito menos do que sobre os jogadores do jogo.
Falando mais sério, um fato intrigante é que tanto os gameplayers quanto os gamemakers são obrigados pela necessidade e por uma estranha lealdade aos ritmos da competição, que de um certo ponto de vista tem linhas claras e descomplicadas. A idéia da série e consequentemente do jogo é estruturalmente sólida e bem inteligente. O mesmo acontece com sua estrutura em seu início, já que os jogadores sobreviventes têm a oportunidade de desistir após o primeiro banho de sangue e acabam voltando por sua própria vontade (e ganância) porque precisam muito do dinheiro. Tendo visto agora as duras realidades que enfrentam no jogo e em suas vidas, todos são forçados a reconhecer que chances de sobrevivência nesse mesmo sendo mínimas podem ser melhores que nenhuma na sociedade moderna.
A partir do início, Round 6 começa a se ampliar infinitamente, aumentando as apostas e o nível de desumanidade. Seu saldo inicial de centenas de cadáveres parece difícil de superar, mas ultrapassa os limites nas demonstrações de brutalidade dos jogadores, que se alternam de forma esquemática com suas surpreendentes demonstrações de bondade, vai entender… O criador da série, Hwang Dong-hyuk, enfatizou que escreveu o roteiro em 2008, antes mesmo de encontrar projetos semelhantes, como o livro “Jogos Vorazes” e a franquia que veio logo a seguir.
Tanto em Jogos Vorazes como em Round 6, a violência é retratada sem rodeios, e o embelezamento vem das armadilhas complicadas em torno da morte e do sangue coagulado. O assassinato é “fetichizado” como uma forma de aumentar as apostas em um diálogo politicamente confuso, sem propor de fato uma solução. À medida que a série avança, fica claro que o R6 existe também por muitos motivos, incluindo uma parada paralela feitas por alguns funcionários pra faturar um “extra” com a “eliminação” dos jogadores proporcionar diversão para um grupo de estrangeiros que não têm nada além de dinheiro para apostar em quem vive ou quem morre. Aliás, achei essa parte meio clichê de filmes de segunda, e não me refiro ao dia da semana.
A impressão que se tem é que a R6 tem uma certa necessidade de achar que as pessoas que assistiram ou que irão assistir à série são um tanto moralmente degradadas, pois querem ver a violência ser praticada a qualquer custo, já que a violência é inerentemente doentia e perturbada, e parece estar gravada em nosso subconsciente desde tempos incontáveis, como as multidões que vibravam excitantemente na arena vendo gladiadores lutarem até a morte. Talvez os criadores estejam certos…
Entretanto, apesar, contudo, todavia, mas, porém, há uma diferença óbvia entre o espectador da violência do mundo real e da ficção, mesmo antes de Hwang Dong-hyuk desenhar o roteiro de forma tão dramatica. Mas poderia ser mais fácil ver essa distinção se a pilha de corpos tivesse sido massacrada baseada em uma ideia mais interessante do que a de que a desigualdade é ruim. Uma conversa no último episódio entre o vencedor do jogo e seu criador indica que o jogo foi, em sua essência, projetado para entretenimento e para ver se é possível que as pessoas sejam boas. Ele acredita que não, apesar de ter visto vários dos participantes exibindo trabalho em equipe, altruísmo e cooperação - mas então, ele foi pessoalmente traído pelo vencedor do jogo, então seus sentimentos podem estar um pouco abalados. Isso parece dolorosamente tocante como se houvesse uma justificativa para os 455 cadáveres. O que talvez seja o ponto: aqueles que participaram dos jogos estão sujeitos à filosofia mais banal e juvenil daqueles que, por causa de momentos de sorte na vida, conseguem determinar a realidade de todos os outros. Mas, em termos literais, o que a série fez foi papocar muitas vidas e derramar muito sangue falso de modo a encenar uma investigação da bondade baseada em personagens, então realmente não é nenhuma surpresa que essa série tenha decolado. Ao saborear a morte fictícia, o espectador desta série é informado que ele está fazendo algo virtuoso. E, ao desfrutar de algo horrível ao mesmo tempo em que critica um sistema que criaria tal atrocidade e torce por sua queda, o espectador está experimentando um duplo prazer, uma sensação de desfrutar de um show ao mesmo tempo que se debruça sobre ele que acaba sendo a coisa mais complicada sobre Round 6.
A série tem nove episódios, e a produção tem classificação indicativa de 16 anos, e aconselho que essa indicação seja respeitada. O elenco já á bem conhecido pelos sul-coreanos, especialmente em filmes e séries de suspense. Além de Jung-jae (‘Livrai-nos do Mal’), há também Park Hae Soo (‘Manual do Presidiário e Tempo de Caça’), Wi Ha-joon (‘Hospital Maldito’), HoYeon Jung, John D. Michaels (‘Invasão Zumbi’), Lee Byung-hun e Heo Sung-Tae.
Mas enfim, vale ou não à pena curtir essa série? Sem dúvida! R6 tem um tema sombrio e o sangue jorra livremente e assistir a jogos infantis transformados em batalhas mortais é enervante e não é para todos. Mas os personagens são bem desenvolvidos e a ação se move rapidamente e nunca para por muito tempo. Os personagens são apresentados de forma rápida e suave e, em seguida, os jogos começam. Depois de assistir a um episódio, é difícil não voltar para ver mais (ou maratonar até o fim como eu fiz), mesmo que seja apenas para ver quem sobrevive ao próximo jogo distorcido. E então... aquele final. Ah, como falei lá no início o título original da série é Jogo da Lula e esse é o jogo final para os últimos competidores. O jogo da lula é uma brincadeira infantil na Coreia do Sul e é composto por regras muito simples: são duas equipes, ofensiva e defensiva. Uma equipe ataca e a outra defende para evitar que o adversário chegue ao destino final. O jogador que pisar primeiro na linha final é o vencedor.
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